Bate papo com Irmina Walczak
Imagine sair pelo mundo em um motor home com toda a sua família e com o privilégio de ir fotografando essa jornada. O nosso bate-papo aqui na Art Wall foi com a fotógrafa polonesa Irmina Walczak.
Amante da fotografia e casada com o brasileiro, também fotógrafo, Sávio Freire, e mãe de Yasmin, Kaje e Elinor, Irmina conversou com a nossa jornalista e fotógrafa Malu Machado e nos convida a apreciar uma fotografia orgânica e de forte significado emocional. Bora conferir?
Fotos: Arquivo Pessoal
AW - Muito contente em te receber aqui no Blog da Art Wall, Irmina. Conta para gente como a fotografia entrou na sua vida?
Irmina Walczak - Eu que agradeço pelo convite e pela oportunidade desta conversa instigante. Eu me interessei pela fotografia ainda na adolescência. Passei a documentar minha vida e dos meus próximos. Criei um laboratório caseiro e passei a revelar os filmes e fazer as ampliações. Cogitei fazer o vestibular para uma escola de fotografia e cinema, mas no fim fui convencida de seguir uma carreira mais segura e feminina. Entrei no curso de idiomas e culturas latino-americanas.
Anos depois, durante meu doutorado no Brasil, usei a fotografia como um recurso adicional à escrita e mergulhei nela novamente. Fotografei durante minha pesquisa de campo no Recôncavo Baiano e no Valle del Chota no Equador. Quase que simultaneamente nasceu minha primeira filha e, como no caso de tantas mães e de tantos pais no mundo todo, a fotografia ganhou uma nova forma, um novo sentido.
AW - Como você vê a nossa proposta de Galeria de Arte Virtual, sonho, loucura ou atrevimento?
Irmina Walczak - Um sonho da democratização da arte, com certeza. Todo projeto virtual tem a possibilidade da expansão além das fronteiras, sejam das nossas bolhas linguísticas ou sociais. Mas também um atrevimento, dos bons, de duas mulheres tocarem uma proposta tão exigente e ousada. É necessário ocuparmos cada vez mais lugares dentro do mercado de arte, trazendo o olhar feminino para aquilo que ganha o destaque.
Irmina Walczak - Obrigada pelas suas palavras Irmina, você é sempre uma grande inspiração para nós. Conta para gente: Para você, o que é a fotografia?
Irmina Walczak - Uma maneira de me relacionar com o mundo e expressar o impacto que causa dentro de mim.
AW - E foi esse seu desejo que te levou a viajar pelo mundo, né? Como foi o processo de escolha sua e do Sávio de saírem nesta deliciosa aventura?
IW - Sim, sem dúvida o desejo já estava latente na nossa maneira de ver as coisas. Em dezembro de 2016 publicamos nosso primeiro foto livro “Retratos pra Yayá" (clique aqui para saber mais). Foi uma publicação independente financiada a partir de uma campanha de financiamento coletivo via Catarse.
Mais de 300 exemplares do livro foram vendidos naquela pré-venda e quando chegou o momento da entrega pensamos que seria legal fazê-la pessoalmente. Queríamos agradecer a todos compradores e compradoras pela confiança e carinho. Deixamos para trás a casa em Brasília e com dois filhos no assento traseiro e uma mala cheia de livros nos jogamos na estrada.
O livro teve lançamentos com a prometida entrega em mãos nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba, mas também os encontros de autor em outras cidades menores no caminho. Foi naqueles quatro meses que sentimos o gosto pela “aventura” e logo estávamos na Europa com a ideia de seguir nesse movimento.
"Demorar-se na estrada, passar em média seis meses em cada país desbravando suas peculiaridades e fazendo amigos incríveis pelo caminho está sendo o nosso modo de existir".
Nosso gosto pela viagem não está em visitar lugares turísticos, embora alguns não fujam da nossa curiosidade. Buscamos conjugar nossos interesses pessoais com as necessidades das crianças e aquilo que pudesse instigar-nos fotograficamente. O cálculo não é fácil e frequentemente escapa à lógica matemática.
Acho que no final ao que damos preferência são os encontros com as pessoas. Muitas delas muito diferentes de nós mesmos. Demorar-se na estrada, passar em média seis meses em cada país desbravando suas peculiaridades e fazendo amigos incríveis pelo caminho está sendo o nosso modo de existir. Assim já nos familiarizamos com a metade da Europa e agora, há um ano, estamos desbravando a Turquia.
AW - Vocês adotaram o homeschooling. Algumas pessoas podem ter curiosidade sobre isso. Qual a idade de seus filhos agora e como está sendo este processo para vocês? Tranquilo, desafiador?
Irmina Walczak- Olha, quando “saímos” do Brasil, nossos filhos tinham, respectivamente, 6 e 2 anos de idade. Ao chegar à Polônia, que foi nosso primeiro destino, descobrimos que a Yasmin encontrava-se justamente na idade da pré-escola obrigatória. Eu queria muito mostrar-lhes o país, ficar por tempos longos nas regiões que nem eu mesma conhecia, seguir a viagem.
Uma escola no sistema presencial estava muito na contramão deste desejo. Nas conversas com amigos descobrimos que o homeschooling era uma opção legal e nada complicada para “resolver” nosso caso. Na Polônia é possível solicitar o homeschooling em qualquer escola (a maioria delas é pública).
"Independentemente da região pela qual passamos (seja parte ocidental mais europeizada seja o leste mais conservador), observamos uma “mistura” encantadora de mulheres com e sem o véu convivendo, partilhando espaços e intimidades".
Hoje, Yasmin está na quinta série e o Kaie iniciou a alfabetização. Embora eu mesma tenha obtido o grau de doutora, considero que boa parte dos ensinamentos que recebemos na escola são desnecessários e/ou ultrapassados. As crianças não ganham habilidades necessárias para a vida, mas repetem as fórmulas e informações facilmente acessíveis nem que seja na internet.
A maioria das escolas no mundo todo ensina para o mundo de ontem e nos tempos das mudanças tão aceleradas isso me parece uma perda do potencial das pessoas e do seu tempo. Nosso trabalho com as crianças é no sentido da provocação da curiosidade, no desenvolvimentos dos seus interesses e apoio ao autodidatismo.
"Nosso trabalho com as crianças é no sentido da provocação da curiosidade, no desenvolvimentos dos seus interesses e apoio ao autodidatismo. "
Yasmin sozinha realiza o programa polonês obrigatório preparando-se para as provas finais feitas uma vez por ano e a maior parte do tempo dedica-se à escrita e à pintura. Nesta última é auxiliada por uma artista e educadora à distância. Kaie demonstra interesse pela matemática e pela robótica, mas ainda a maior parte do tempo dele é tomado pelo brincar livre com a irmã mais nova, Elinor.
Suas construções são de paus, papelão e outros materiais orgânicos ou reciclados. Não perdemos de vista a programação que provavelmente será a linguagem desta geração, mas por enquanto as crianças mal têm acesso a tecnologia.
Concentração, paciência e pensamento lógico são habilidades que buscamos desenvolver neles nesse momento. No final eu acho que elas super se adaptam e aproveitam de tudo isso, dessa atenção individualizada. A questão é sempre como a gente coloca isso na nossa cabeça uma vez que fomos criados e educados de outra forma.
Esse “puxar a responsabilidade” para si é o maior desafio. Sentir-se seguro das escolhas que fazemos por eles independentemente das opiniões alheias.
AW - A sua linha de trabalho na fotografia está muito voltada para a fotografia documental e para uma fotografia mais orgânica, o que vai na contramão de toda a tecnologia e no uso de cenários muito elaborados que vemos por aí. Conta para a gente um pouco deste seu processo e o porquê dessa escolha na sua forma de expressão artística.
Irmina Walczak- Eu vejo a fotografia como parte integrante da minha experiência no mundo. Acho que posso dizer que faço uma fotografia auto-biográfica. As vezes sim, ela é puramente documental, às vezes, ao contrário, é minuciosamente construída embora não traz visualmente consigo essa marca. Seja como for o método de trabalho, os temas que me engajam tem origem naquilo que vivencio, que me toca de alguma forma, que mexe com meus sentidos ou valores.
Acho que encontrei na fotografia não apenas a esperança de parar o tempo, de criar memórias mas também a forma de meditar sobre o mundo e sobre mim mesma. Frida Kahlo disse uma vez: “Pinto-me porque sou o que melhor conheço.” Poderia parafraseá-la: “Fotografo o que vivencio porque é o que tenho oportunidade de compreender.”
AW - Este meditar sobre o mundo que você fala, essa possibilidade de conhecer lugares tão distintos, com pessoas tão únicas e ao mesmo tempo tão iguais em sentimentos universais, é uma experiência muito provocativa para a fotografia artística e documental. Você destacaria alguma diferença cultural destes lugares que te surpreendeu e te inspirou artisticamente?
Irmina Walczak - Qualquer lugar novo a qual a gente chegue traz surpresas. Eu amo o frescor da chegada, aquele encanto que se parece com o início do namoro. Eu acho que ele nos coloca num lugar muito especial do estado de espírito. Dentro dele coisas pequenas, ações cotidianas, cheiros… tudo inspira e gera curiosidade. E a curiosidade é o que nos move.
"Encontrei na fotografia não apenas a esperança de parar o tempo, de criar memórias mas também a forma de meditar sobre o mundo e sobre mim mesma."
AW - Você chegou a comentar em uma conversa que tivemos sobre a relação das mulheres turcas com o uso do véu. Pode falar um pouco sobre isso?
Irmina Walczak - Embora a sociedade turca seja muçulmana, as mulheres aqui têm direito de escolher se querem ou não cobrir a cabeça. Isso porque a Turquia é um país laico. Por muitas décadas, aliás, as mulheres que usavam véu não podiam exercer cargos na administração pública, o que mudou recentemente. Imagino que existem espaços familiares ou comunitários onde essa tradição é seguida e tirar o véu é mal visto e reprimido, mas por lei as mulheres são livres na sua escolha religiosa e cultural e isso é muito visível no espaço público.
" O respeito à diversidade é para mim a expressão da possibilidade de um convívio pacifico e respeitoso entre as pessoas que se distinguem entre si nas ideias, costumes e crenças. Foi uma das coisas que mais mexeram comigo neste país. "
Independentemente da região pela qual passamos (seja parte ocidental mais europeizada seja o leste mais conservador), observamos uma “mistura” encantadora de mulheres com e sem o véu convivendo, partilhando espaços e intimidades. Amigas, com e sem o véu, caminhando juntas, voltando da faculdade ou tomando um café, famílias fazendo piquenique no parque, sendo que uma parte das mulheres está com a cabeça coberta e outras não, mães e filhas com a práticas diferentes. Para mim é a expressão da possibilidade de um convívio pacifico e respeitoso entre as pessoas que se distinguem entre si nas ideias, costumes e crenças. Foi uma das coisas que mais mexeram comigo neste país.
AW - Como é o seu processo de trabalho para transformar toda essa vivência em arte?
Irmina Walczak - Sou uma pessoa que precisa de tempo. Não gosto de me apressar nem na construção das relações nem na avaliação das situações ou fatos. O encanto inicial do qual falamos me move, mas só a aproximação do tema e das pessoas me traz a compreensão necessária para decidir sobre o que e como desejo fotografar, sobre o que quero contar. Por isso sempre nos demoramos o suficiente para criar uma percepção mais crítica e o sentimento de que fomos justos e éticos.
AW - Para construir todo este olhar estético, além da soma da nossa vivência, buscamos muita inspiração na arte que está por aí no mundo. Quais são suas principais referências na fotografia?
Irmina Walczak - As fotógrafas e fotógrafos que admiro são muitas. Elinor Carucci e Sally Mann são umas das que acompanho há anos e volto à obra delas com certa frequência e sempre com o mesmo encanto. Pela oportunidades deste último ano, acrescento duas fotógrafas turcas da nova geração: Cemre Yesil Gonenli e Sabiha Çimen.
AW - Quais trabalhos você já desenvolveu ou está desenvolvendo na Turquia? Pode nos contar?
Irmina Walczak - Sim, com maior prazer! Um trabalho é sobre o uso livre do véu do qual já falamos. Eu vejo nele um artefato que evidencia a atitude das pessoas e um conceito da sociedade que todos precisamos, e, por sinal, é um belo artefato! Falar disso me parece esperançoso mas também importante do ponto de vista cultural e político. No projeto misturo as imagens construídas junto com as mulheres com outras feitas na rua a partir da observação.
Minha intenção é refletir sobre a mudança intencional de hábitos de uma sociedade. É um projeto investigativo. Vou em busca de respostas.
Outra série conta a história do chá na Turquia, o onipresente “çay”. Minha intenção é refletir sobre a mudança intencional de hábitos de uma sociedade. É um projeto investigativo. Vou em busca de respostas. O chá é apenas um caso, um gatilho. Acho que vivemos numa época em que precisamos ser mais velozes na elaboração das soluções perante a crise climática ou migratória e as mudanças de hábitos são uma delas, talvez a mais necessária e eficaz.
Além desses dois, seguimos documentando o nomadismo da nossa família. O projeto que segue desde o início da nossa viagem e conta já com um acervo considerável.
Para saber mais sobre o trabalho autoral em fotografia de Irmina e do Sávio, você pode acompanhá-los pelo Instagram. Clique aqui Se você gostou da nossa entrevista, deixe seu like e seu comentário, compartilhe este conteúdo e assine o nosso blog para receber as nossas publicações diretamente no seu email.
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